"Se o ministério de Jesus aqui no mundo estava focado em relacionamentos, o nosso é centrado em realizações. Muitas vezes, ao invés de exercermos ministérios por causa das pessoas, nos relacionamos com as pessoas por causa dos ministérios... "
Muitas vezes, as nossas tarefas ministeriais nos propiciam situações semelhantes às de Jesus em Mateus 4, em que, embora não percebamos, estamos frente a frente com o inimigo: normalmente em lugares altos, como por exemplo palcos e púlpitos, sendo sutilmente estimulados por ele à vaidade e à busca por poder, por meio de desafios lícitos, aparentemente necessários, respaldados na Palavra e expressos pelos nossos simples atos de fazer e ordenar. E pelo desejo de ter, o que pode muitas vezes representar uma atitude de obediência e conseqüente adoração ao tentador. O Diabo, como um ser milenar, sabe exatamente como fazer para nos instigar, atrair, e confundir. É algo tão sutil que nem todos conseguem identificar como certas propostas convidativas e aparentemente espetaculares são, na realidade, diabólicas e provocam completo engano - além de fazerem um tremendo mal à igreja. Ora, se ele foi capaz de tentar o próprio Jesus, imagine o que ele não gostaria de fazer conosco!
Infelizmente nem todos percebemos que por trás do aparente poder e da fama pode haver atitudes de quem se prostra e, mesmo de forma inconsciente, coloca o controle nas mãos do inimigo. Apesar de desejarmos ser como o Mestre Jesus, nem sempre conseguimos identificar que tais situações muitas vezes são provas a que o mesmo Espírito que o levou ao deserto está nos submetendo hoje. Pecamos na busca por reconhecimento e afirmação pessoal, quando a cobiça nos atrai e nos seduz. Os desejos de agir, controlar e possuir certamente são muito perigosos à vida tanto do pastor quanto do músico, e é exatamente por meio deles que se pode constatar a queda na mesma tentação feita a Jesus.
A história tem comprovado que o resultado dessa busca por poder e fama, de forma consciente ou não, tem gerado o desenvolvimento e a manutenção de práticas, que mesmo aparentemente inexpressivas, evidenciam o quanto a mesma tentação feita a Jesus não só está latente, mas, em muitos casos, atendida por parte de muitos líderes. ‘Fazer’, ‘ordenar’, e ‘ter’ são verbos que não só traduzem as ações e o sentimento sugeridos pelo diabo na direção de desviar a atenção de Jesus e promover a sua queda, mas que servem de balizadores para os nossos dias, nos permitindo um auto-exame, uma reflexão pessoal e sincera com relação às nossas atitudes no exercício daquilo que entendemos e muitas vezes chamamos de “nosso ministério”.
O FAZER
O empreendedorismo tornou-se uma das marcas mais importantes da sociedade atual. “Agenda cheia” virou sinônimo de competência e produtividade. Jamais pensamos nelas como empecilhos aos nossos alvos. Enquanto as atitudes de Jesus no seu ministério eram primeiramente voltadas para as pessoas, dedicando-lhes tempo comendo, conversando, caminhando, orando, curando, nós, nos “nossos” ministérios, buscamos ações estratégicas finais voltadas normalmente para o desenvolvimento e a manutenção das instituições.
Se o ministério de Jesus aqui no mundo estava focado em relacionamentos, o nosso é centrado em realizações. Muitas vezes, ao invés de exercermos ministérios por causa das pessoas, nos relacionamos com as pessoas por causa dos ministérios. Tarefas tornam-se fins e não meios, e processos firmam-se como mais importantes do que pessoas. Metas não faltam, como se não dependêssemos do Espírito para que as coisas aconteçam. A idéia do “bom pastor”, utilizada equivocadamente em relação a homens, e não a Jesus, passou a estar mais relacionada àquele que empreende do que ao que cuida das ovelhas.
Em nome de uma excelência na proclamação do evangelho, somos tentados a um ativismo cada vez maior, que nos é prazeroso, principalmente para aqueles movidos por desafios, e que, sob o respaldo da Palavra, sutilmente promove completo engano, nos afastando das pessoas e tornando a igreja mais parecida com uma produtora de é-ventos ou com uma indústria de crentes em série, do que com as metáforas de “família” e “corpo” apresentadas por Paulo.
Dessa forma, o exercício dos dons deixa de ser uma conseqüência espiritual das reuniões dos irmãos para ser mão-de-obra especializada, parte de um serviço departamentalizado chamado de ministérios, prestado por gente apaixonada pelo que faz, numa carga horária interminável, muitas vezes por só se sentir reconhecida e amada se estiver executando algo.
Precisamos aprender a ser igreja, e não a fazer igreja; ao invés de fazer música, talvez ser música para Deus; e ao invés de promover reinos de homens, ser Reino de Deus.
O TER
Enquanto Jesus “não tinha onde reclinar a cabeça”, alguns de nós "vocacionados" dos dias atuais temos não apenas carrões de últimos modelos, mansões nos bairros mais nobres, investimentos e salários bem superiores à média das famílias das congregações às quais dizemos pertencer. No caso dos pastores, os nossos púlpitos - onde ninguém mais prega - com algumas pequenas exceções; as nossas visões “dadas por Deus”, que, por isso, fragilizam qualquer possibilidade de questionamento; as nossas doutrinas, que muitas vezes nos promovem mais do que ensinam a outros; e porque não lembrar dos nossos rebanhos, que além de aplaudirem as nossas performances, nos dão poder de representatividade em diversas ocasiões, fazendo com que sejamos convidados a participar de reuniões, projetos e eventos, muito mais pelo número de membros que ‘temos’ do que por aquilo que simplesmente podemos oferecer.
Também temos os nossos cargos, que se confundem com os nossos títulos e nos conferem uma “autoridade”, na maioria das vezes outorgada ao invés de naturalmente conquistada pelo nosso viver. No caso dos músicos não é diferente. Logo se institui o título de “Levita”, como se fosse coisa dos dias atuais, ou de “Ministro de Louvor”, “Pastor de Artistas”, “Líder de Adoração”, etc., na tentativa inconsciente de se formar um clero da música, a exemplo do “consagrado” clero da palavra, que transpõe certas pessoas para um patamar superior de importância e não de serviço, onde o “Ter” também representa poder e conseqüente fama, quando temos os nossos trabalhos (leia-se CDs, DVDs, etc.), nossos públicos, nosso estilo musical, nossa imagem, nossa banda, nossa carreira, nosso fã-clube, e muita coisa mais, que parecem passar a ser mais nossas, numa perspectiva mundana, do que fruto da graça do Bondoso Pai.
Em nome de um sucesso no crescimento do Reino de Deus, somos tentados a cada vez mais procurarmos TER, dentre outras coisas, grandes comunidades e grandes públicos, ações plenamente realizáveis, principalmente para aqueles que possuem maior carisma, que nos enchem de satisfação pessoal e muitas vezes de orgulho, mas que sutilmente nos levam à promoção de controle e manipulação de massas, seja através do discurso ou da música; bem como ao controle e a manipulação de indivíduos, por meio de verdadeiros “abusos espirituais” em que terminamos machucando, ferindo, e muitas vezes matando “em nome de Deus” – a exemplo da “disciplina” que deixou de ser um ato de amor para ser um ato de terror – tudo isso apoiado por verdadeiras estruturas que envolvem desde equipes de marketing até de logísticas, que impressionam pelo tamanho, levando a igreja a assumir características mais de empresa do que daquilo que ela realmente deveria ser: grupos relacionais centrados no Cristo Vivo. E aí o patrimônio, desde o chamado “templo” até o menor parafuso reserva que está na caixa de ferramentas; a hierarquia, desde aquelas mais formais àquelas aparentemente mais livres; e a instituição, desde a denominação da qual fazemos parte até o tipo de serviço executado por alguém ou mesmo pelo grupo de reuniões menores, tudo isso passa a ser mais importante do que as pessoas, a verdadeira igreja.
O ORDENAR
A ação de ordenar é a maior demonstração visível de poder, embora nem toda ordem necessariamente contenha autoridade legítima. As idéias de que ‘competente’ é aquele que “faz”, e de que ‘bem-sucedido’ é aquele que “tem”, nos trazem a falsa sensação de que o sucesso no ministério, como acontece nas coisas mundanas, está no ‘agir’ e no ‘possuir’. No entanto, o relato deste episódio por Mateus nos ensina exatamente o contrário. Foi o abrir mão de “transformar pedras em pães”, mesmo num momento absolutamente necessário aos olhos humanos, e de possuir “todos os reinos deste mundo e a glória deles” mesmo numa perspectiva extremamente atraente e privilegiada aos olhos de quem está num lugar alto, que qualificaram Jesus para ordenar: “retira-te, Satanás”.
Certa vez, num congresso, ouvi que para Deus sucesso significa fidelidade, e foi o que qualificou a autoridade de Jesus para tal.
Em nome do exercício de nossa autoridade, muitas vezes somos tentados a uma busca por poder, que embora muitas vezes baseada na Palavra, sutilmente nos leva a práticas de controle e manipulação como já mencionamos acima. Este é um “prato cheio” para encantar pastores que quando ministram a Palavra tornam-se mestres no uso de apelos emocionais, aparência física e linguagem para “vender” seus argumentos, peritos em imitar a forma em lugar da substância, bem como para músicos, que quando ministram o louvor fazem o mesmo, com o acréscimo de toda a força própria da música para mexer com as emoções, utilizando-a da pior forma para conseguir seus objetivos pessoais em nome de uma exaltação a Deus.
Parece que o texto nos ensina que para seguir a Jesus atuando naquilo que chamamos de nossos ministérios temos que renunciar a muitas coisas. Tentações que têm a ver com o agir, o controlar, o possuir, fazendo-nos mais pastores do que gestores, ou mais servos do que servidos, ou mais apoiadores do que possuidores, ou ainda, sem tanta notoriedade a fim de exercer uma verdadeira autoridade que pode num só ordenar dizer o contrário de “fica, Satanás" e você foi possivelmente tentado a pensar, ao ler no início o título deste texto, que eu estaria comparando o embate que existiu entre o Diabo e Jesus, ao dos pastores e músicos. A grande realidade é que essa deve ser uma relação de cooperação e não de competição. Somos todos igualmente tentados, e, felizmente, Jesus não se permitiu cair.
Vale, então, uma pregação e uma canção sobre a graça de Jesus. E que o Pai das luzes e das artes seja glorificado com as nossas opções de vida e ministério.
Augusto Guedes é um dos pastores da Comunidade de Discípulos em Fortaleza. É músico, diretor-executivo do Instituto Ser Adorador (ISA).
1 Comment:
Show de bola o texto Alexandre.
Com certeza temos muito a aprender.
Que Deus te abençoe sempre.
Excelente postagem.
Paz pra ti.
Post a Comment